Cole Porter, um gênio da música popular norte-americana

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Extensa e sofisticada, a obra de Cole Porter extravasou do teatro, para o cinema e para os discos.

 

Todo mundo tem seus compositores e músicos favoritos. Entre os meus vários ídolos aparece Cole Porter. Por mais que se deteste usar a palavra “gênio” para classificar o trabalho de alguém, este é um daqueles momentos em que é difícil evitar este tipo de rótulo.

A razão é simples: Cole Porter soube como ninguém escrever música e letras de uma forma tal que ambas se encaixam em perfeita harmonia no tocante aos temas por ele explorados. E se alguém isolar um desses temas como, por exemplo, o sentimento afetivo, irá rapidamente enxergar ali o espírito de um homem apaixonado pela paixão.

Na letra de “What Is This Thing Called Love” ele se pergunta sobre como uma pessoa pode ser dominada por este tipo de sentimento, ficar vulnerável, se fazer de bobo, etc., aspectos esses que a maioria de nós já se indagou várias vezes, em momentos como este.

E se depois se contempla muito mais o lado pessoal da vida conturbada do compositor, do que a sua obra propriamente dita, eu vejo nisso um oportunismo que em nada contribui para o conhecimento das suas composições. Um exemplo disso foi a recente incorporação da figura de Cole Porter ao movimento LGBT.

Cole Porter em Paris, 1951Durante anos Cole Porter lutou na sua vida íntima para contornar um conflito entre a paixão pela sua mulher Linda e as suas escapadas para encontros íntimos com amantes homens ou rapazes de programa, justamente em uma época onde esse tipo de encontro era muito mal visto pela sociedade tradicional e pela lei.

Entretanto, não é concebível diminuir o brilho da obra de uma pessoa arrastando a sua vida pessoal na lama. Que importa se Cole Porter gostava de homens também? Fez alguma diferença no seu trabalho? A história nos prova que não. Na realidade, Linda Porter sabia desse seu lado, e aturou de tudo para ficar ao lado dele até onde suas forças lhe permitiram. Linda tentou preservar Porter como compositor até o fim.

No lado que nos interessa, a obra de Cole Porter é absolutamente envolvente. Várias de suas letras são primorosas, mesmo se traduzidas. Cole Porter foi, antes de mais nada, um homem de teatro, mas o conjunto da sua obra extravasou para o cinema em diversas ocasiões, não só por causa das peças que fizeram sucesso na Broadway e no West End (Londres) e que depois migraram para os estúdios de Hollywood, como também pelo aproveitamento puro e simples das melodias em sequências de filmes musicais diversos.

Na minha coleção de filmes eu tenho cinco títulos que incorporam este tipo de contribuição: Kiss Me Kate, Silk Stockings, Les Girls, High Society (M-G-M) e Can-Can (Fox). E quando eu me sento para assisti-los, a primeira coisa que me ocorre é que eu estou diante de uma trilha sonora musical composta por Cole Porter.

É interessante notar também que suas músicas antigas foram continuadamente reaproveitadas nos roteiros de filmes recentes, e é fácil saber quais são elas, porque a obra de Porter começa muito cedo, passando com sucesso pelas décadas de 20, 30 e 40.

A vida de Cole Porter, segundo o roteiro de De-Lovely

Em 2004, o diretor Irwin Winkler se uniu com o roteirista Jay Cocks para lançar o filme “De-Lovely”, contendo a biografia de Cole Porter, na forma de uma fantasia.

 

De 2004, o filme “De-Lovely” contém a biografia de Cole Porter, na forma de uma fantasia.

 

Para tal reuniu os atores Kevin Kline (que, aliás, toca piano) como Porter, e Ashley Judd, personificando Linda Porter:

 

Kevin Kline como Cole Porter e Ashley Judd como Linda Porter

 

Não querendo entrar demais nos altos de baixos desse filme, é possível ver ali alguns pontos meritórios do encontro entre Cole e Linda, que resultou depois no seu casamento. Ambos eram herdeiros de famílias ricas, mas trazendo problemas diversos antes de se unirem. O filme não conta, mas Linda, por exemplo, foi vítima de um casamento com um marido abusivo e violento.

Porter se tornou compositor escondido de um pai dominador, que não via este tipo de profissão com bons olhos. E quando os dois se uniram e decidiram se casar, a identificação com o lado romântico da vida foi imediato.

Em uma das cenas mais bonitas do filme, Cole leva Linda a um café ao ar livre em Paris, onde ele declara a ela a sua admiração, sentado ao piano, com a belíssima composição “(You’d Be) So Easy To Love”, cujo título já diz tudo!

 

 

Kevin Kline faz um honesto esforço de cantar exatamente como Cole Porter, cuja extensão vocal era mínima. “Easy To Love” é uma declaração de amor e deve ser cantada baixinho e lentamente, como aparece no filme. Muitos cantores populares e jazzísticos o fizeram de forma diferente, como Sinatra, por exemplo, no álbum “Ring-a-ding-ding!”, Reprise, 1960, o que mostra a ecletismo da composição.

O filme De-Lovely começa sua narrativa com o arcanjo Gabriel levando Cole Porter embora para o céu, mas não sem antes mostrar em um palco os principais eventos que marcaram a sua vida.

Diversas fases das vidas de Cole e Linda são desfiladas, tanto na Europa quando na América, mas alguns locais conhecidos onde Porter viveu foram omitidos, como na sua quase permanente residência no Waldorf Astoria.

A maioria das sequências é também exibida com as músicas do compositor, mas interpretadas por cantores e cantoras da atualidade, que pouco ou nada têm a haver com o seu repertório, como Alanis Morissette, por exemplo. Se por um lado dá um toque de “modernidade” ao filme, também propicia, na minha opinião, a exibição de um toque de mau gosto!

A decisão do roteiro de segmentar todos esses momentos na recapitulação da vida de Cole Porter também objetiva tornar evidentes os bons e maus momentos com Linda Porter. E neste caso, foi em Hollywood onde a permissividade de Porter com o homossexualismo explícito acaba por arruinar o seu casamento com Linda.

O filme, porém, tem o mérito de fantasiar Cole Porter colocando um nariz de palhaço em Louis B. Mayer, poderoso chefão da M-G-M. Imagino que a cena deve ter lavado a alma dos seus ex-empregados que ainda estão vivos por aí!

Outra justiça que De-Lovely faz é citar a admiração de Irving Berlin por Porter. Berlin foi considerado por muitos como o maior compositor popular americano, e que fez também música para filmes e peças. Mas Berlin, ao contrário de Porter, nunca aprendeu música formalmente, tornando-se assim um músico intuitivo. A sua obra é extensa e bem articulada, mas perto de Porter no filme Berlin se diz como “mais publicitado”.

Antes de assistir De-Lovely eu sou um que nunca soube que Cole Porter era um homem gay, mas anos atrás discutindo o filme, alguns conhecidos me chamaram a atenção para o caráter ambíguo de várias de suas letras, e citaram o exemplo de “It’s All Right With Me”, cuja letra isoladamente não identifica claramente se a música está sendo dirigida a homem ou mulher, embora na peça (Can-Can) o personagem se dirige a uma mulher que gosta dele, mas que não é a mulher que ele deseja, trazendo coerência ao que está escrito.

De-Lovely se contrapõe aos outros filmes onde a vida de Porter foi mostrada no cinema, nenhum dos quais revela a homossexualidade do compositor. Mas, talvez se se detivesse menos neste assunto, o filme de Winkler teria sido bem melhor. Digo isso porque na obra completa de Cole Porter existe material para fazer uns duzentos filmes, sem exagero.

A música de Cole Porter durante décadas aparece em gravações feitas por uma variedade de intérpretes e orquestras, com compassos originais ou modificados. Para mim, pessoalmente, é nos filmes cuja trilha sonora foram compostas por ele que o seu brilho mais se destaca visualmente.

Talvez o maior elogio que se pode dirigir a um artista compositor é reconhecer a sua música logo após os primeiros acordes serem tocados, e Cole Porter é e continuará sendo um dos maiores legados da música popular de sua época de hoje em dia! Outrolado_

. . .

 

Leia também

 

60 anos da Bossa Nova

 

Que falta um subwoofer faz!

 

Sansão e Dalila, de 1949, retorna restaurado

 

Do tempo das diligências ao som digital

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *